Sendo médica otorrino e especialista no zumbido, a pergunta acima é a que eu mais recebo no consultório e ela é muito importante, até para entender como tratamos o zumbido.
Primeiro, a audição normal
Fig 1- Via auditiva normal
Nesta figura, vemos como o som chega do ouvido até o cérebro.
Primeiro as ondas sonoras entram pela orelha externa, passam pela membrana timpânica, são conduzidas pelos ossículos da orelha média (martelo, bigorna, estribo) até a orelha interna, onde são transformadas em impulsos elétricos, os quais são conduzidos primeiro pelo nervo vestibulococlear e depois por outros nervos até o cérebro, passando pelo tronco encefálico.
Papel do cérebro
É o cérebro (córtex cerebral) que vai perceber as características do som, seja em timbre, intensidade (volume) , altura (frequência). Além disso, é ele que dá o significado do som, como por exemplo, o som de uma ambulância é logo percebido como urgência médica , o choro de uma criança desperta a mãe, o som de tiro desperta o reflexo de fuga etc. Esse significado é aprendido ao longo da vida de acordo com as experiências de cada um. Por exemplo, um médico ao ouvir uma ambulância vai se aproximar, já uma pessoa de outra área vai se afastar e deixar a ambulância passar.
Além disso, o córtex cerebral se comunica com outras áreas do cérebro, principalmente o sistema límbico, relacionado a nossas emoções. Por isso, um choro de bebê desperta angústia, um som de tiro desperta medo, e uma música pode despertar alegria ou tristeza.
Além disso, o córtex também se comunica com centros de memória e atenção, aprendizado e no ciclo do sono. Ou seja, os sons influenciam nessas atividades.
Papel do tronco encefálico
Nem todos os sons que chem até nossa orelha são percebidos pelo cérebro, ou seja, se tornam conscientes. Como nosso cérebro é um grande regulador, ele precisa decidir o que é prioridade e em que ele precisa focar. Por exemplo, nós dirigimos sem pensar, fazemos as tarefas do dia a dia quase no automático, sem precisar planejar. Isso permite que o cérebro foque nas tarefas mais importantes, que demandam planejamento (como escrever este texto, fazer uma receita médica, responder a demanda dos filhos etc). Com o som ocorre o mesmomesmo. Sons monótonos, do dia a dia, como barulho do ventilador, do ar condicionado, do computador, são “barrados” no tronco encefálico e não chegam a nossa consciência.
O zumbido
O zumbido surge quando há alteração em qualquer parte dessa via, do trajeto que o som percorre da orelha externa até o cérebro.
Quando há alteração nesse trajeto, o sinal elétrico chega no cérebro de maneira diferente do que chegava antes e o cérebro interpreta este sinal elétrico como zumbido. Inclusive o cérebro tenta regular e modular este som, quando como nós pegamos o controle remoto e tentamos regular o volume e melhorar o som da TV.
Junto com a conexão do córtex cerebral com o sistema límbico, o cérebro pode interpretar o zumbido como angústia, sofrimento etc, dependendo das experiências anteriores do paciente. Como passa a ter um sentimento e um significado envolvido, o zumbido não é
barrado pelo tronco encefálico e passa a ser percebido durante todo o tempo pelo paciente.
Através da conexão com os centros de memória, atenção e aprendizado, o zumbido pode prejudicar as atividades diárias do paciente, diminuindo sua produtividade.
Pode também atrapalhar a produção dos hormônios do sono e causar insônia.
Essas ligações retroalimentam o zumbido, ou seja, a angústia, sofrimento, perda de memória, dificuldade de aprendizado e alteração do sono deixam de ser só consequência do zumbido, e passam a ser também fatores agravantes do zumbido. Nesse caso, a ansiedade é um dos fatores mais importantes, pois faz com que o tronco cerebral perca parte da capacidade de filtrar sons sem importância e todos os sons do ambiente passam a ser conscientes e dificultar o trabalho cerebral, que tem que lidar com muitas informações ao mesmo tempo.
A avaliação médica
Por isso, a avaliação médica do zumbido precisa investigar toda a via auditiva (com exames auditivos e de imagem) além de sono, fatores psicológicos e memória. Além disso, exames de sangue são extremamente importantes para saber se a via auditiva tem os nutrientes básicos necessários para seu correto funcionamento.
O mais importante: o tratamento
Depois de toda essa explicação, fica fácil entender que deve-se corrigir a alteração encontrada na via auditiva durante a investigação médica, que pode estar em qualquer ponto dela, ou mesmo nos exames de sangue.
Mas tão importante quanto isso é corrigir os efeitos secundários do zumbido, ou seja, a ansiedade, depressão e alterações emocionais, as alterações do sono, as alterações de memória etc, que são agravantes do zumbido e podem ter consequências muito piores para o paciente que o próprio zumbido.
Isso demanda conhecimento aprofundado e específico que só um otoneurologista (médico especializado em zumbido) consegue fazer.
Dra Kênia Assis Chaves
CRMMG 52018
RQE 33072